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quinta-feira, 6 de maio de 2010

O ministro Temporão sabe do que está falando: Sexo realmente faz bem à saúde


Por Ricardo Teixeira*


A defesa por uma vida de abstinência sexual teve sua vez na antiguidade. Na tradição cristã, podemos citar Paulo: “É bom para um homem que ele não toque em uma mulher”. No período helenístico, defendia-se o celibato como uma oportunidade para se dedicar à filosofia e alcançar a virtude e o bem estar. É comum em várias culturas a idéia de que o prazer da atividade sexual está associado à perda do vigor e do bem estar. No norte da Índia, qualquer perda de sêmen é considerada como debilitante, podendo levar a problemas de pele, ansiedade e perda da concentração, dores articulares, palpitações, dor no peito e até mau hálito. A conta para reabilitação é a reposição de 40 kg de comida para cada colher de sêmen “perdida”.


A ciência antiga também defendeu a idéia de que a restrição de sexo seria capaz de manter o vigor. No final do século XIX, Eugen Steinach ficou muito famoso com sua técnica cirúrgica que impedia a ejaculação por meio do fechamento dos canais que levam o esperma até a uretra. A idéia era impedir a perda de sêmen mesmo com a atividade sexual regular, e assim evitar a perda dos hormônios masculinos como a promessa de rejuvenescimento por meio desse tipo de “celibato filosófico”. Uma boa clientela na época reconhecia o procedimento como uma promissora fonte da juventude, mas com a evolução da ciência e da medicina baseada em evidências, pôde-se ver que tal conduta cirúrgica não oferecia mais do que um poderoso e invasivo efeito placebo.


Nas últimas décadas, estudos científicos rigorosos não só desmontaram de uma vez por todas o mito de que a atividade sexual pode ser deletéria à saúde, desde que devidamente protegida contra doenças sexualmente transmissíveis, mas também têm revelado que o sexo traz inúmeros benefícios à saúde. Alguns desses estudos acompanharam indivíduos de meia idade e idosos por até 20 anos, e têm sido quase unânimes em mostrar que quanto maior a atividade sexual, menor a mortalidade, inclusive por doença isquêmica do coração. É bem reconhecido que uma relação sexual, devido ao esforço físico, pode até precipitar hemorragias cerebrais e morte súbita de causa cardíaca em indivíduos predispostos. Entretanto, à luz do conhecimento atual, pode-se dizer que o efeito protetor da atividade sexual é muito maior que os raros eventos precipitados pelo esforço físico. É claro que um indivíduo que tem dor no peito simplesmente por subir dois lances de escada deve discutir com seu cardiologista seu risco em fazer sexo ou qualquer outra atividade física.


Outros efeitos do sexo sobre nossa saúde têm sido investigados, alguns já com boas evidências científicas, outros nem tanto:


- Aumento da concentração de anticorpos do tipo IgA na saliva. Esse mesmo efeito tem sido demonstrado em atletas e está associado a menor risco de infecções do trato respiratório superior. As pesquisas sobre essa questão ainda são muito tímidas e não nos permite sair dizendo por aí que sexo previne gripes e resfriados;


- Um estudo realizado na Escócia através de entrevistas com mais de 3500 indivíduos na Europa e nos EUA revelou que aqueles que faziam sexo pelo menos quatro vezes por semana eram aqueles que aparentavam ser mais jovens de acordo com análise de um painel de juízes. O estudo não foi publicado em um periódico científico, mas no livro best-seller Superyoung, propondo que o sexo rejuvenesce. Defende-se a tese de que a atividade sexual, por aumentar os níveis de alguns hormônios como o estradiol, pode deixar a pele e os cabelos mais viçosos. Além disso, uma outra pesquisa recente demonstra que mulheres com níveis altos de estradiol percebem-se fisicamente mais atraentes, e tanto na mulher como em várias outras espécies, esse componente hormonal faz com que a mulher seja mais receptiva ao parceiro para a cópula e tenha também maior sucesso na fertilização do óvulo;


- Sexo é atividade física e pode ajudar a controlar o peso, mas isso depende da freqüência da atividade sexual. Calcula-se que o gasto energético da atividade sexual seja muito próximo ao ato de caminhar, e não há sentido em pensar que o sexo deva substituir a atividade física “não sexual”. É bom lembrar que aquilo que alguns podem chamar de atletas sexuais, pode ser na verdade um transtorno psiquiátrico, um tipo de compulsão, chamado de Apetite Sexual Excessivo, ou Ninfomania no caso das mulheres e Satiríase ou Don Juanismo no caso dos homens. Claro que não existe um número mágico que defina que acima desse tal número encontra-se a anormalidade. Pode ser realmente chamado de transtorno quando o comportamento passa a trazer repercussões negativas na vida social, familiar e ocupacional do indivíduo. A recente pesquisa A vida sexual do brasileiro revela que a freqüência média de relações sexuais do brasileiro é de 3 vezes por semana, enquanto outras pesquisas mostram que em alguns países essa freqüência é maior e em outros menor;


- A excitação sexual e o orgasmo estimulam a liberação cerebral de uma série de hormônios e neurotransmissores associados à sensação de satisfação e que também têm efeitos analgésicos. Essas modificações não são associadas simplesmente ao orgasmo, já que são muito maiores com a relação sexual propriamente dita do que com a masturbação. Estudos já demonstraram menos queixas de dor entre pessoas com atividade sexual regular;


- Atividade sexual regular está associada a menos insônia. Esse efeito não parece estar restrito à sensação de sono após uma relação sexual, e nesse caso, a química cerebral no pós-orgasmo parece ser a grande responsável. Pesquisadores da UNICAMP demonstraram recentemente que mulheres que apresentam insônia têm um menor índice de satisfação sexual. O estudo sugere que a insônia e a baixa satisfação sexual não andam sozinhas, mas têm relação também com a depressão e uso de antidepressivos;

- Uma vida sexual ativa está associada a menos ansiedade, menos agressividade e menos depressão. Um estudo no início desta década chegou a demonstrar que mulheres que não usavam preservativos na relação tinham menos índices de depressão do que aquelas que usavam. Uma das hipóteses é a de que a absorção pela vagina de estrogênios e prostaglandinas contidas no sêmen poderia reduzir o risco de depressão. Esse é um estudo isolado, não confirmado por estudos subseqüentes, e com falhas metodológicas significativas, como a diferença na freqüência da atividade sexual entre os grupos. E mesmo que os resultados sejam confirmados no futuro, nada mudará quanto ao recado mais importante relacionado ao assunto: sexo só com camisinha;


- Mulheres que fazem sexo pelo uma vez por semana têm ciclos menstruais mais regulares do que aquelas que fazem sexo de forma esporádica ou as abstêmias. A atividade sexual também fortalece a musculatura da pelve podendo ajudar a reduzir o risco de incontinência urinária com o envelhecimento;


- Um assunto ainda muito polêmico é a relação entre o risco de câncer de próstata e a freqüência de atividade sexual. A produção de sêmen envolve uma alta concentração de substâncias pela próstata e pelas vesículas seminais, que pode incluir substâncias carcinogênicas, e a retenção de sêmen por longos períodos poderia aumentar a exposição da próstata a essas substâncias. Por outro lado, a alta freqüência de relações sexuais / masturbação está associada a um aumento da atividade de hormônios sexuais masculinos, que por sua vez é considerado um perfil de maior risco para a doença. Além disso, freqüente atividade sexual, especialmente com múltiplos parceiros, aumenta o risco de câncer de próstata, devido ao aumento no risco de doenças sexualmente transmissíveis. Como se pode ver, a relação entre a freqüência de ejaculação e câncer de próstata é uma faca de dois gumes, tendo de um lado a freqüência excessiva de ejaculação podendo estimular o desenvolvimento da doença em indivíduos geneticamente predispostos, e do outro lado a ausência de ejaculação por períodos prolongados podendo aumentar o contato de substâncias carcinogênicas com a próstata. Essa é uma das formas de explicar o porquê dos resultados dos estudos realizados até o momento serem tão contraditórios. Por enquanto, pode-se dizer que nem a abstinência sexual nem o exagero são recomendados, e como já vimos anteriormente, não é só pelo bem da próstata.


A ciência moderna tem-nos mostrado cada vez mais que vida saudável não significa vida sem graça e sem prazer. Pessoas que freqüentam atividades como shows de música, teatro e cinema percebem-se mais saudáveis e vivem mais. Não é o caso de se fazer campanhas em prol de um estilo de vida “sexo, drogas e rock’n roll”, mas já existem razões de sobra para incorporarmos o prazer como importante medida de promoção à saúde.


* Ricardo Teixeira é médico, doutor em neurologia e pesquisador do Laboratório de estudos Avançados de Jornalismo da Unicamp.

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